Título: Mártires
Título Original: Martyrs
Ano: 2008
País: França/Canadá
Direção: Pascal Laugier
Roteiro: Pascal Laugier
Elenco: Morjana Alaoui (Anna); Mylène Jampanoï (Lucie); Catherine Bégin (madame); Robert Toupin; Patricia Tulasne; Juliette Gosselin (Marie); Xavier Dolan-Tadros (Antoine); Isabelle Chasse (a criatura); Emilie Miskdjian; Mike Chute; Gaëlle Cohen
Ser fã de filmes de terror é uma das experiências mais gratificantes que existem. O fã desse gênero não pode simplesmente aguardar o lançamento de filmes no circuito comercial nacional. As poucas produções de horror que chegam às salas de cinema no Brasil, normalmente e com pouquíssimas exceções, são produções americanas que nada tem de original e ousado, e que dificilmente se arriscam a não agradar o grande público e acabam utilizando uma fórmula já conhecida e explorada ao extremo, ou contando estórias de assassinos ou de fantasmas e maldições (principalmente depois do sucesso de alguns remakes de filmes orientais, como "O Chamado"). Quem gosta e aprecia o cinema de horror não tem outra opção senão buscar as produções do gênero através de outros meios menos acessíveis. E nessa busca acaba-se encontrando de tudo. Por fim, após algumas produções regulares e muitas medíocres, quase que em um trabalho de mineração, acaba-se encontrando algo que se desteca. E essa postagem trata de uma dessas pedras preciosas do Terror, que muitos tentam criar, mas poucos conseguem.
Afastando-se das produções americanas, recheadas de clichês e excessivamente comerciais, o cinema de horror francês é atualmente um dos mais originais, pertubadores e violentos, com filmes carregados de momentos únicos e marcantes. A lista de filmes franceses obrigatórios para os amantes do horror cresce a cada dia, e eu poderia citar alguns, como: “Alta Tensão” (Haute Tension / High Tension, 2003), “Eles” (Ils / Them, 2006), “A Invasora” (À L´intérieur / Inside, 2007), “Fronteira (A)” (Frontiere (s) / Frontier (s), 2007), e finalmente “Martyrs” (2008), sobre o qual falo hoje.
É praticamente impossível falar de "Martyrs" sem entrar em detalhes da trama e acabar com as surpresas dos melhores momentos da estória. Aviso aos leitores que não me preocuparei com isso, logo se ainda não viram o filme e ainda pretendem ver (o que aconselho fortemente), recomendo que continuem a leitura com cautela.
França. Cair da noite no início dos anos 70. No que aparenta ser um distrito industrial abandonado, Lucie, uma garota desaparecida a mais de uma ano foge desesperadamente de seu cativeiro. Após ser encontrada, é levada para a ala infantil de um hospital psiquiátrico. Praticamente catatônica, ela nada revela sobre o que aconteceu com ela ou sobre quem a manteve em cativeiro. Investigações revelam que apesar de submetida a condições extremas de frio, sujeira, inanição e desidratação, Lucie não sofreu abuso sexual. A motivação pedofílica para o rapto é descartada, deixando então perguntas sem respostas: Quem a sequestrou? Com qual motivo? Por quê escolheram aquele lugar como cativeiro?
Em uma cena inicial brilhante, o diretor Pascal Laugier, nos apresenta à estória de Lucie e ao convívio dela com as outras crianças no hospital. Ela permanece distante de todas, exceto de uma, Anna, que aos poucos começa a ser a única amiga de Lucie. Anna se torna então a única pessoa em que Lucie confia, mantendo-se afastada de qualquer outro contato humano. É Anna que encontra Lucie na banheira, com os braços e mão cortados, enquanto esta repete: "Não conte a eles, Anna. Por favor. Não fui eu. Não fui eu, Anna". À noite, quando Anna e Lucie estão deitadas e começam a dormir, Lucie começa a escutar barulhos e fica desesperada. Repentinamente, ela é atacada por um vulto. O que seria esse vulto? Quem ou o quê atacou Lucie? Essas perguntas nos perseguirão por boa parte do filme.
15 anos depois, somos apresentado a uma família típica, com o pai, a mãe, o filho e a filha aproveitando juntos um dia de domingo. A campainha toca. Acontece então uma das sequências mais memoráveis e chocantes do filme. Ao abrir a porta, o primeiro membro da família é morto com um tiro de espinguarda. Em seguida toda a família é morta violentamente, um a um. A assassina então ajoelha-se ao lado da mulher morta e pergunta, chorando desesperadamente: "Por quê você fez aquilo comigo? Por quê?". A assassina é Lucie, buscando vingança contra seus algozes de 15 anos atrás. Ela então telefona para Anna e conta o que aconteceu. Anna tenta acalmar Lucie, e então parte ao encontro dela.
Vou encerrar aqui as considerações sobre o enredo, pois após Anna encontrar Lucie na residência onde ela cometeu os assassinatos, a trama toma um rumo totalmente inesperado. Nem eu quando assisti o filme pela primeira vez, nem nenhum de vocês está preparado para o que virá a seguir, isso eu garanto. Violência explícita, sangue em excesso, mas tudo isso está em segundo plano. O que interessa aqui é a estória, e a maneira como Pascal Laugier a conta, de uma maneira extremamente metódica, revelando pouco a pouco suas nuâncias, culminado com um desfecho pertubador e marcante. E aqui as revelações não quebram a trama, mas apenas servem como transição para que a estória continue. Muitas vezes você antecipa o que vai acontecer, e nesses momentos você é obrigado a passar por aquilo ao lado de Anna ou Lucie. (em especial quando somos levados de volta ao cativeiro de Lucie, 15 anos atrás). Muitas vezes, saber o que vai acontecer é pior. O tema explorado é original e inesperado. A revelação da motivação por trás do rapto e do cativeiro de Lucie impressionará aqueles que se debruçarem sobre esse filme único. Ao final, todos refletirão sobre o real significado da palavra "mártir".
"Martyrs" é o ápice do cinema de horror francês, e faz você perceber que as populares produções americanas do gênero dificilmente conseguem deixar de ser triviais e comuns. É tão incrível encontrar uma produção de horror nesse nível, que remeto ao início dessa resenha: "Ser fã de filmes de terror é uma das experiências mais gratificantes que existem". Talvez o único problema do filme: depois de vê-lo, você nunca mais poderá vê-lo novamente pela primeira vez, e sentir tudo novamente.
"Martyrs" é o ápice do cinema de horror francês, e faz você perceber que as populares produções americanas do gênero dificilmente conseguem deixar de ser triviais e comuns. É tão incrível encontrar uma produção de horror nesse nível, que remeto ao início dessa resenha: "Ser fã de filmes de terror é uma das experiências mais gratificantes que existem". Talvez o único problema do filme: depois de vê-lo, você nunca mais poderá vê-lo novamente pela primeira vez, e sentir tudo novamente.