terça-feira, 27 de outubro de 2009

Martyrs (Mártires)


Título: Mártires
Título Original: Martyrs
Ano: 2008
País: França/Canadá
Direção: Pascal Laugier
Roteiro: Pascal Laugier
Elenco: Morjana Alaoui (Anna); Mylène Jampanoï (Lucie); Catherine Bégin (madame); Robert Toupin; Patricia Tulasne; Juliette Gosselin (Marie); Xavier Dolan-Tadros (Antoine); Isabelle Chasse (a criatura); Emilie Miskdjian; Mike Chute; Gaëlle Cohen



Ser fã de filmes de terror é uma das experiências mais gratificantes que existem. O fã desse gênero não pode simplesmente aguardar o lançamento de filmes no circuito comercial nacional. As poucas produções de horror que chegam às salas de cinema no Brasil, normalmente e com pouquíssimas exceções, são produções americanas que nada tem de original e ousado, e que dificilmente se arriscam a não agradar o grande público e acabam utilizando uma fórmula já conhecida e explorada ao extremo, ou contando estórias de assassinos ou de fantasmas e maldições (principalmente depois do sucesso de alguns remakes de filmes orientais, como "O Chamado"). Quem gosta e aprecia o cinema de horror não tem outra opção senão buscar as produções do gênero através de outros meios menos acessíveis. E nessa busca acaba-se encontrando de tudo. Por fim, após algumas produções regulares e muitas medíocres, quase que em um trabalho de mineração, acaba-se encontrando algo que se desteca. E essa postagem trata de uma dessas pedras preciosas do Terror, que muitos tentam criar, mas poucos conseguem.

Afastando-se das produções americanas, recheadas de clichês e excessivamente comerciais, o cinema de horror francês é atualmente um dos mais originais, pertubadores e violentos, com filmes carregados de momentos únicos e marcantes. A lista de filmes franceses obrigatórios para os amantes do horror cresce a cada dia, e eu poderia citar alguns, como: “Alta Tensão” (Haute Tension / High Tension, 2003), “Eles” (Ils / Them, 2006), “A Invasora” (À L´intérieur / Inside, 2007), “Fronteira (A)” (Frontiere (s) / Frontier (s), 2007), e finalmente “Martyrs” (2008), sobre o qual falo hoje.

É praticamente impossível falar de "Martyrs" sem entrar em detalhes da trama e acabar com as surpresas dos melhores momentos da estória. Aviso aos leitores que não me preocuparei com isso, logo se ainda não viram o filme e ainda pretendem ver (o que aconselho fortemente), recomendo que continuem a leitura com cautela.

França. Cair da noite no início dos anos 70. No que aparenta ser um distrito industrial abandonado, Lucie, uma garota desaparecida a mais de uma ano foge desesperadamente de seu cativeiro. Após ser encontrada, é levada para a ala infantil de um hospital psiquiátrico. Praticamente catatônica, ela nada revela sobre o que aconteceu com ela ou sobre quem a manteve em cativeiro. Investigações revelam que apesar de submetida a condições extremas de frio, sujeira, inanição e desidratação, Lucie não sofreu abuso sexual. A motivação pedofílica para o rapto é descartada, deixando então perguntas sem respostas: Quem a sequestrou? Com qual motivo? Por quê escolheram aquele lugar como cativeiro?


Em uma cena inicial brilhante, o diretor Pascal Laugier, nos apresenta à estória de Lucie e ao convívio dela com as outras crianças no hospital. Ela permanece distante de todas, exceto de uma, Anna, que aos poucos começa a ser a única amiga de Lucie. Anna se torna então a única pessoa em que Lucie confia, mantendo-se afastada de qualquer outro contato humano. É Anna que encontra Lucie na banheira, com os braços e mão cortados, enquanto esta repete: "Não conte a eles, Anna. Por favor. Não fui eu. Não fui eu, Anna". À noite, quando Anna e Lucie estão deitadas e começam a dormir, Lucie começa a escutar barulhos e fica desesperada. Repentinamente, ela é atacada por um vulto. O que seria esse vulto? Quem ou o quê atacou Lucie? Essas perguntas nos perseguirão por boa parte do filme.



15 anos depois, somos apresentado a uma família típica, com o pai, a mãe, o filho e a filha aproveitando juntos um dia de domingo. A campainha toca. Acontece então uma das sequências mais memoráveis e chocantes do filme. Ao abrir a porta, o primeiro membro da família é morto com um tiro de espinguarda. Em seguida toda a família é morta violentamente, um a um. A assassina então ajoelha-se ao lado da mulher morta e pergunta, chorando desesperadamente: "Por quê você fez aquilo comigo? Por quê?". A assassina é Lucie, buscando vingança contra seus algozes de 15 anos atrás. Ela então telefona para Anna e conta o que aconteceu. Anna tenta acalmar Lucie, e então parte ao encontro dela.


Vou encerrar aqui as considerações sobre o enredo, pois após Anna encontrar Lucie na residência onde ela cometeu os assassinatos, a trama toma um rumo totalmente inesperado. Nem eu quando assisti o filme pela primeira vez, nem nenhum de vocês está preparado para o que virá a seguir, isso eu garanto. Violência explícita, sangue em excesso, mas tudo isso está em segundo plano. O que interessa aqui é a estória, e a maneira como Pascal Laugier a conta, de uma maneira extremamente metódica, revelando pouco a pouco suas nuâncias, culminado com um desfecho pertubador e marcante. E aqui as revelações não quebram a trama, mas apenas servem como transição para que a estória continue. Muitas vezes você antecipa o que vai acontecer, e nesses momentos você é obrigado a passar por aquilo ao lado de Anna ou Lucie. (em especial quando somos levados de volta ao cativeiro de Lucie, 15 anos atrás). Muitas vezes, saber o que vai acontecer é pior. O tema explorado é original e inesperado. A revelação da motivação por trás do rapto e do cativeiro de Lucie impressionará aqueles que se debruçarem sobre esse filme único. Ao final, todos refletirão sobre o real significado da palavra "mártir".

"Martyrs" é o ápice do cinema de horror francês, e faz você perceber que as populares produções americanas do gênero dificilmente conseguem deixar de ser triviais e comuns. É tão incrível encontrar uma produção de horror nesse nível, que remeto ao início dessa resenha: "Ser fã de filmes de terror é uma das experiências mais gratificantes que existem". Talvez o único problema do filme: depois de vê-lo, você nunca mais poderá vê-lo novamente pela primeira vez, e sentir tudo novamente.


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Gigante do Japão (Dai-Nipponjin/Big Man Japan)


Título: O Gigante do Japão
Título Original: Dai-Nipponjin/Big Man Japan
Ano: 2009
País: Japão
Direção: Hitoshi Matsumoto
Roteiro: Hitoshi Matsumoto
Elenco: Hitoshi Matsumoto (Masaru Daisatô/Gigante); Riki Takeuchi (Haneru-no-jû); Ua (Manager Kobori); Ryûnosuke Kamiki (Warabe-no-jû); Haruka Unabara (Shimeru-no-jû)



Bom, nem sei como começar a falar desse filme. Quando terminei de vê-lo, parecia que eu tinha passado as últimas horas drogado e tendo alucinações. O filme é uma bizarra comédia japonesa sobre um dos grandes ícones da cultura daquele país: mosntros gigantes. Confesso que pra ver esse filme você tem que ter um pouco de espírito japonês e ser suscetível a aceitar coisas bizarras e surreais sem muito questionamento e incômodo. Bem, vamos lá então.

Primeiramente a estória do filme. Daisato é um pacato japonês que vive sozinho no subúrbio de Tóquio. A trama começa com uma equipe de uma emissora de tv japonesa filmando a sua vida para um documentário. Tudo parece normal: Daisato vive sozinho, tem um gato de estimação, é divorciado, tem uma filha que vê as vezes. Até que somos apresentado a sua habilidade: transformar-se em um gigante com 30 metros de altura e defender o Japão lutando contra monstros de igual tamanho, que atacam o país. Seria como se o Ultraman fosse uma pessoa comum. Praticamente um "Watchmen" japonês, guardadas as devidas proporções.

Daisato herdou essa capacidade de seus antepassados, mas embora seus atos sejam heroicos, ele não consegue popularidade em seu país, diferente de seus antepassados, que eram adorados e reverenciados pelo povo japonês. Apesar disso, ele convive com a responsabilidade de defender o seu país. Para sobreviver, Daisato usa enormes adesivos e tatuagens em seu corpo quando luta com os monstros, lutas que são transmitidas pela tv japonesa, vendendo o espaço para patrocinadores. Tendo que conviver com a audiência cada vez mais ruim de seus feitos na tv, a descrença do povo japonês, sendo culpado por danos a propriedades, além dos problemas familiares (incluindo um avô que tanbém tem a habilidade de se tornar um gigante) que enfrenta, Daisato prossegue enfrentando os monstros que vão chegando.


O documentário acompanha o dia-a-dia normal de Daisato, normal até que um monstro apareça, quando então ele parte para uma instalação do Governo, onde veste uma sunga gigante e recebe uma descarga elétrica, transformando-se então no Gigante do Japão. Com o cabelo espetado (presumo que por conta do choque elétrico), armado com um cacetete e com o corpo coberto de anúncios de patrocinadores, ele parte para enfrentar os monstros. Quando os derrota, uma misteriosa luz desce dos céus e leva o "espírito" do monstro.


Os efeitos em CGI que geram os monstros e o Gigante são outro atrativo do filme. Deliberadamente toscos e bizarros, os efeitos são muito bons. Os monstros também são um espetáculo bizarro a parte: um dos mosntros arranca os prédios da cidade e coloca ovos sob eles; outro é composto apenas de uma perna e um rosto e fica saltando pela cidade; o monstro "fedorento" emite um cheiro insuportável; e também há o temível monstro "vermelho". E no meio disso tudo, Daisato ainda tem que lidar com seu avô que foge do asilo e se torna um gigante, passando a vagar pela cidade.

O ato final é uma das coisas mais sem noção que já vi em um filme. É uma homenagem (ou crítica) muito engraçada e tosca aos Ultramans/Ultrasevens. Talvez o filme faça realmente uma crítica a esse complexo de inferioridade japonês, que acaba se refletindo na cultura nipônica (os grandes olhos dos personagens dos animes, robôs gigantes nos Tokusatsus, godzilla, etc). Mas no final o que temos é um retrato da grandiosidade do cinema japonês, que é capaz de oferecer e produzir sem medo algo nunca antes visto.

Curiosidade: Hitoshi Matsumoto é o diretor, escritor e protagonista do filme, e é o comediante mais conhecido no Japão. Outros comediantes japoneses, que fazem parte do mesmo grupo dele, fazem o papel dos monstros no filme.


Apresentações e Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds)

Primeiramente, rápidas apresentações. O objetivo principal do Blog é escrever sobre filmes pouco conhecidos, filmes que normalmente não chegam aqui no Brasil via distribuição oficial, cinema, etc. Como amante do cinema de horror, esse gênero deve dominar a maioria das postagens aqui, mas outras pérolas desconhecidas estarão aqui também. Como quase tudo que assisto ou é horror, ou é filme desconhecido, ou são filmes antigos, ou são filmes com alguma trama louca que dá um nó na cabeça, o blog será basicamente um espaço para comentar os últimos filmes que assisti. Mas sempre que necessário, essa "regra de filmes desconhecidos" será quebrada, como toda boa regra, e a primeira vez será logo a seguir. Lembrando que sempre comentarei supondo que o leitor já viu o filme, portanto esperem alguns spoilers.



Título Nacional: Bastardos Inglórios
Título Original: Inglourious Basterds
Ano: 2009
País: Estados Unidos
Duração: 153 min
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth, Michael Fassbender, Diane Kruger, Daniel Brühl, Til Schweiger, Gedeon Burkhard, Jacky Ido, B.J. Novak, Omar Doom, August Diehl, Denis Menochet



O primeiro filme que trago aqui talvez não tenha muito a ver com a proposta do blog, mas com certeza, seu criador bebeu da mesma fonte.

Começando então a primeira análise (não sei nem se devo chamar assim) com estilo. Quentin Tarantino dispensa apresentações, e pra quem não sabe, esse projeto há anos era planejado, escrito e revisado pelo diretor. Há muito tempo ele vem amadurecendo o roteiro, e chegou a achar que nunca chegaria a filmá-lo. Quem acompanha Tarantino e nutre uma admiração pelos seus filmes deve lembrar do projeto, que há alguns anos (antes até de Kill Bill, se não me engano), surgia como uma superprodução épica sobre a Segunda Guerra Mundial, que pretendia reunir no elenco os maiores nomes do cinema de ação dos anos 80/90, como Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone e Bruce Willis. Muito tempo depois, o filme chega aos cinemas, abandonando as aspirações "grandiosas" e com um elenco, com exceção de Brad Pitt, pouco conhecido ou mesmo desconhecido.

O filme, dividido em capítulos, começa com "Era Uma Vez na França Ocupada por Nazistas", em 1941. Em uma propriedade rural, um pai e suas 3 filhas recebem a visita de um coronel nazista da SS, Hans Landa (Christoph Waltz), que pra mim é o personagem mais brilhante e mais bem desenvolvido do filme, do qual falarei mais posteriormente. O Coronel, conhecido como "O Caçador de Judeus", e o dono da propriedade travam então um dos conhecidos longos diálogos tarantinescos, que vai se desenvolvendo pouco a pouco, enquanto a tensão da situação aumenta, até que somos apresentado ao objetivo do oficial nazista: localizar uma família de judeus que vivia na região. O Coronel então comanda o massacre da família, após localiza-lá, e apenas um membro sobrevive: Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent).


No segundo capítulo, conhecemos então os Bastardos, comandados pelo tenente Aldo Rayne (Brad Pitt), um grupo de soldados aliados judeus que tem um único objetivo: caçar e matar nazistas, das maneiras mais cruéis e violentas possíveis, colecionando seus escalpos como troféus (o que rende o título de "apache" ao tenente Aldo). Como ele mesmo diz: "Cada um de vocês me deve 100 escalpos nazistas; e eu quero meus escalpos!".


O filme prossegue mostrando Shosanna Dreyfus, agora proprietária de um cinema em Paris, que acaba sendo escolhido para a estréia do filme propaganda nazista "O Orgulho de uma Nação", sobre o soldado Fredrick Zoller (Daniel Brühl), que se tornou herói de guerra após matar sozinho mais de 100 inimigos, em um cerco a uma cidade. Na estréia estarão presentes os principais nomes do Governo nazista, além do próprio Adolf Hitler (Martin Wuttke). Shosanna planeja então trancar todos os espectadores no cinema e atear fogo ao mesmo, obtendo então sua vingança. O que ela não sabe é que os aliados também tem um plano de infiltrar agentes na estréia e explodir o cinema, matando o Führer e seus principais comandantes e ministros, levando então ao término da Guerra. E esses agentes são justamente os "Bastardos". A trama se desenrola até que os caminhos de Shosanna, dos "Bastardos" e do Coronel Hans Landa se cruzem, como é típico dos filmes do Tarantino, culminando em um final surpreendente.


Assim como em "Kill Bill", o filme é carregado de referências e homenagens. Se em "Kill Bill" o diretor buscou inspiração principalmente no cinema oriental de artes-marciais, dessa vez a inspiração vem dos filmes italianos sobre a Segunda Guerra Mundial e dos filmes de faroeste de Sergio Leone. Buscar as referências no filme não é tarefa fácil. Basta dizer que toda a ambientação do cinema parisiense de Shossanna faz referências nos cartazes a filmes e atores alemães da época. Eu, como profundo conhecedor que não sou do cinema alemão, só percebi as referências lendo sobre o filme posteriormente. Mas as referências estéticas e temáticas são o grande charme do filme. A trilha sonora mais uma vez é impecável, com muitas músicas instrumentais, temas e músicas de outros filmes, e até David Bowie.


Os personagens, como sempre, são a grande atração do filme. Brad Pitt está perfeito como o tenente caipira e canastrão Aldo Rayne. A cena em que ele tenta falar em italiano com o coronel Hans Lada é repleta do humor tarantinesco com o qual estamos acostumados. "Arriverrrrderrrrci...". Só assistindo pra entender a piada. Os outros bastardos não ficam pra trás, como o "Urso Judeu", o sargento Donny Donowitz (Eli Roth). Mas o grande personagem do filme é o coronel nazista da SS, Hans Landa. O ator austríaco Christoph Waltz consegue fazer um vilão cruel e capaz das maiores atrocidades, mas que ao mesmo tempo é engraçado e divertido. Espero uma indicação ao Oscar aqui.

Tarantino também não esquece da violência explícita típicas de seus filmes. O "Urso Judeu" matando um soldado nazista a golpes de taco de beisebol, escalpamentos explícitos, até a sensacional cena final. Mais uma vez, ele transforma o "gore" em "cool".

Provavelmente estamos diante do melhor filme de Quentin Tarantino. Sou muito fã de "Pulp Fiction", e pra mim será difícil colocar "Bastardos Inglórios" a frente dele, mas talvez esta seja a grande obra-prima do diretor. Quem ainda não foi ver no cinema, deve ir. Se você for fã do Tarantino já sabe o que esperar, se não, pelo menos estará diante de um filme muito divertido sobre a Segunda Guerra Mundial.

Algumas curiosidades:

- O título "Inglourious Basterds" é uma referência ao filme italiano de 1978, "Inglorious Bastards" (Assalto ao Trem Blindado, no Brasil). Apesar do nome, o filme do Tarantino não tem a mesma trama do filme italiano.
- Eli Roth, que interpreta o 'bastardo" Donny Donowitz, o "Urso Judeu", é amigo de Tarantino e diretor de "O Albergue". No taco de baisebol que ele usa pra matar os nazistas estão escrito os nomes de diversos judeus mortos na Segunda Guerra.
- A cena "explicativa" sobre o sargento Hugo Stiglitz (Til Schweiger) é narrada por Samuel L. Jackson.
- Harvey Keitel faz uma das vozes ouvidas pelo rádio, como se fosse um militar aliado.


"So I'm gonna give you a little 
somethin you can't take off."